OSHO CONEXÃO BRASIL                                                fevereiro de 2004


Sannyas: uma experiência do dia-a-dia

Neste mês estamos apresentando o depoimento do Sw. Milarepa, um músico que acompanhou Osho por cerca de 10 anos. Ele fazia parte do grupo que tinha um contato mais íntimo com Osho e participou de seu "tour" pelo mundo. Muitas músicas que nós costumamos ouvir do Mundo do Osho, são de sua autoria ou, pelo menos, são tocadas pela sua banda. Nos últimos anos Milarepa tem feito tours pela Europa, pelos Estados Unidos, Japão, Austrália, etc. Ele tem oferecido noites celebrativas, eventos de um dia, Campo de Meditação (sábado e domingo) com música ao vivo e encontros para compartilhar suas experiências de ter vivido em contato mais íntimo com Osho. Em 2004 ele está querendo fazer um tour pelo Brasil. Para viabilizar esse seu projeto, o Osho Conexão Brasil se coloca à disposição para fazer o contato entre ele e as pessoas e espaços interessados em produzi-lo. 


                                                 O Maior presente

Eu escrevi a minha primeira música de celebração durante um intervalo de almoço no Rancho, sentado na porta dos fundos de meu trailer sob o sol quente do verão do Oregon. Eu estava feliz como nunca em minha vida e as palavras fluíam de meu coração cheio de alegria como a água flui de uma fonte... 

This life our celebration
Of the joy we've come to know
My love for you, Bhagwan
Is overflowing

 

Drive-By in Oregon 1985

Osho dando sua volta de carro - Oregon 1985
Milarepa no centro/direita, segurando baquetas do tambor

Eu não estou realmente na música por causa da música. Na verdade, eu nunca me considerei como um músico. Durante os dez anos que eu vivi na Comuna, eu amava todo trabalho que eu lá fazia. Cada trabalho tinha seu próprio sabor e era sempre um espelho para mim, de maneiras diferentes. Eu estava na Comuna para crescer e descobrir a mim mesmo, não necessariamente para me tornar um grande músico. Olhando para trás, eu não sinto a música mais especial do que qualquer outro trabalho que eu tenha feito, seja varrendo o caminho do lado de fora do Portão do Lao Tzu, seja limpando os banheiros públicos, cozinhando ou trabalhando com a enxada. Alguns desses trabalhos podem não ter sido os mais fascinantes, mas estando próximo do Osho, havia sempre um jeito de transformar mesmo a mais mundana das tarefas em alguma coisa milagrosa.

Na época do Rancho, nós tínhamos um clube noturno em Portland, Oregon, chamado Zorba, o Buda, onde eu toquei numa banda todo fim de semana, por um ano e meio. Foi uma oportunidade única para explorar o lado de performance da música e ser um músico num sentido bem mundano. Foi também um tempo em que eu queimei muitas ambições e viagens em torno da música.

Quando Rajneeshpuran foi fechado, eu mudei-me para Los Angeles e afrouxei as habilidades aprendidas no Rancho. Um dia, estava meio tristonho, recebi uma chamada telefônica do Uruguai. Eu nunca tinha visto esse lugar no mapa. Eu estava sendo convidado a me juntar ao Tour do Osho ao redor mundo.

Quando eu cheguei no Uruguai, Osho estava dando palestras duas vezes por dia para um grupo mais íntimo com cerca de 20 pessoas. Era como se um sonho se tornasse verdade, estar ali com ele novamente, naquele contexto, ouvindo as suas palavras, bebendo o seu silêncio. Depois de quatro anos no deserto do Oregon, eu me sentia como se estivesse chegando a um oásis, num sentido mais amplo. A coisa que eu mais ansiava durante aquelas árduas horas de trabalho no Rancho, era agora uma realidade diante de meus olhos. Meu coração gritava, dizendo a todos os meus amigos e companheiros de viagem: venham! Mas a presença do Osho no Uruguai precisava ser mantida em segredo por que implicava em questões políticas muito delicadas. Aquele foi o segredo mais difícil que eu tive que guardar.

Viver na casa do Osho era um deleite absoluto. Eu poderia viver daquele jeito por toda a eternidade. Feliz, curtia as palestras duas vezes por dia, o meu pequeno trabalho era manter limpo o andar térreo da casa, ocasionalmente jogava tênis ou caminhava pela praia. A mensagem de Osho para nós era clara: relaxem, curtam e façam apenas o trabalho necessário para manter as coisas funcionando suavemente. Wow!

Um dia, Nivedano, o baterista amado do Osho apareceu na porta, procurando não apenas pelo seu Mestre, mas também por sua namorada, a Gyan, que era a costureira do Osho. Ele foi convidado a ficar e rapidamente passou a fazer parte do grupo que cuidava da casa. Antes de pensar muito, com seu estilo inimitável, ele começou a organizar alguns instrumentos musicais para tocarmos nas palestras. Alguma coisa dentro de mim disse. "Ah não! Este silêncio com Osho está tão precioso. Tudo tem sido tão lindo até agora. Por que alguém iria querer perturbar isso?" Mas Nivedano insistiu e antes que eu me desse conta, já estava dentro de um carro viajando rápido para uma cidade próxima à procura de lojas de instrumentos musicais.

Enquanto isso, Osho havia perguntado à Vivek, sua secretária pessoal, se eu tinha trazido um violão comigo. Ao saber que não, ele disse que seria melhor se eu tivesse um, senão eu ira criar problemas "correndo atrás" das mulheres e isso não iria ser bom para a minha saúde. Que mestre prático!

Levamos um dia, correndo de loja em loja, mas por acaso eu encontrei um violão e Nivedano encontrou seu tambor. E naquela mesma noite nós tocamos e cantamos enquanto Osho caminhava para a palestra. A maneira como ele dançava conosco, sorrindo e balançando os quadris, como só ele podia, criou um grande contraste em relação às noites silenciosas que nós tínhamos tido até então. Na medida em que a nossa música e a dança dele alcançavam um crescendo após crescendo, uma luz começava a irradiar dentro de mim. O silêncio de que ele falava não era o silêncio de um cemitério. Era um silêncio vivo, cheio de risos, canções, dança e todos os êxtases do coração. Esse foi um grande insight para mim naquele momento, foi algo que eu jamais me esqueci.

Eu amo cantar. Cantar é um dos mais belos meios que eu conheço para expressar a linguagem do coração. Cantar celebra a dimensão festiva da vida. Quando um homem canta com suas próprias fontes de alegria, ele se conecta com o verdadeiro centro do universo, o lugar onde todo o universo está cantando a sua canção. As palavras se tornam inadequadas quanto mais próximo a pessoa chega a esse espaço. Como poeta e como músico eu conheço muito bem a "fala não articulada do coração" que Van Morrison nos diz. De qualquer forma, é um grande desafio encontrar palavras para expressar algo tão vasto, tão inexplicável, tão maior do que a própria pessoa. Então, quando eu sou capaz de expressar e compartilhar alguma coisa do meu centro mais interior, eu experiencio uma tremenda satisfação, uma divina realização.

Diz-se que na vida de um discípulo, a morte do mestre é seu último, e talvez o maior, presente para seu povo. Quando a experiência contida no mestre é de repente liberada de seu corpo, ela se espalha por todo o universo. Se um discípulo está ali para observar isso, se ele for sensível para isso, ele saberá intuitivamente o que está acontecendo no mestre. Ele sentirá isso imediatamente. No momento em que Osho morreu, ou deixou o corpo, como dizem no Oriente, eu percebi que ele nunca foi uma pessoa, um corpo, uma forma enquanto tal, mas simplesmente uma pura presença, uma consciência, um vazio.

 

Tour do Osho pelo mundo, Portugal, 1986

Esse insight é particularmente relevante quando eu toco agora. As canções que um dia eu cantei e direcionei para essa flor de homem, agora eu endereço para todo o céu, as montanhas, o oceano, as árvores, as estrelas. Eu não estou cantando para alguém em particular agora. Na verdade, eu nunca o fiz. Antes, eu apenas não tinha consciência para compreender. Eu devo ter ouvido Osho dizer um milhão de vezes: Olhe, minha cadeira está vazia. Do ponto de vista de um discípulo, vendo sua bela forma sentada diante de mim por todos esses anos, vendo toda aquela luminosidade diante de meus olhos...  Bem, para meus ouvidos, ele devia estar falando em enigmas, pois pelo que eu sabia, quando uma consciência iluminada brilha através do corpo, ela deve ser uma das coisas mais belas da vida para se contemplar. Mas um mestre iluminado é um koan, um paradoxo divino e presenteia todo discípulo com o maior dilema: como relaxar e deixar que as coisas aconteçam por si?

Outros eventos ajudaram a cristalizar a minha compreensão de Osho e seu contexto em minha vida e música. Em 1989, Osho ainda era conhecido no mundo e pelos seus discípulos como Bhagwan Shree Rajneesh. Durante uma notável série de palestras chamada "No Mind: Flowers of Eternity", o mestre abandonou o nome. Ele disse que tinha agora se tornado um com o vasto oceano da existência, o seu velho nome não era mais relevante e que se as pessoas precisassem se dirigir a ele, a partir de agora deveria ser como Osho. Ele explicou como William James (um místico ocidental) originalmente cunhou a palavra "osho" quando procurava uma maneira para definir a experiência oceânica da consciência iluminada. Também, na tradição Zen, os discípulos usavam Osho como um termo de respeito para com o mestre. Apesar de já terem passado alguns anos desde que ele deixou seu corpo, eu ainda gosto de usar Osho quando me refiro a ele. Mas eu também uso essa palavra para me referir a uma qualidade de meditação. Na minha compreensão, consciência iluminada não tem qualquer nome ou forma em particular. Então uso Osho ou a meditação em sua mais refinada qualidade.

Quando falo a respeito do que transpira em meu canto, as palavras podem ser irrelevantes. Se você canta Osho, Bhagwan, amado, Kabir, Jesus, Deus ou o nome de sua namorada, esse é não é o ponto. Hoje em dia, as canções são ainda mais absurdas: 'baby, baby' parece ser o mantra da música moderna. Eu não entro muito sério nessa questão de palavras na música. Elas são apenas alguma coisa para se brincar. Música não deve ser uma coisa séria. Para mim, a coisa mais importante é: Quem está cantando, quem é você, qual é a sua qualidade de meditação?

Algumas vezes, depois dos eventos que eu conduzo, eu costumo ouvir alguém dizer: "Oh, eu pude realmente sentir Osho nesta noite". Talvez o que elas estejam sentindo é essa coisa misteriosa que acontece nas pessoas quando elas estão totalmente em suas energias, absorvidas em suas danças, com os egos dissolvidos no canto e na celebração. Esse fenômeno chamado Osho parece acontecer quando a energia da pessoa vai realmente mais alto. A partir desse fervente ponto energético eles então abandonam a mente e entram no coração. E a partir do coração, é só um passo muito pequeno até o ser da pessoa. Quem está familiarizado com meditação ou Osho, então irá reconhecer esse espaço dentro de si mesmo. Com certeza, isto é uma experiência que está além das palavras, mas se eu tiver que usar uma palavra para isso, eu gostaria de chamar isso de Osho. Para mim, tudo isso é Osho.

As novas pessoas algumas vezes perguntarão como foi estar com Osho enquanto ele estava no corpo. Na verdade, eu acredito que se você conhece a fragrância do seu mundo interior, você conhece tanto a respeito de Osho quanto qualquer um que tenha estado com ele. Osho é um fenômeno sem tempo. Eu estou falando a respeito de Osho, não o homem, mas Osho como uma refinada qualidade de meditação. Por exemplo, se neste momento eu fecho os meus olhos, o que eu estou experienciando dentro de mim é qualitativamente o mesmo que eu experienciei pela primeira vez na presença de Osho. Antes de encontrar Osho, eu não era consciente de que tinha um mundo silencioso dentro de mim. Eu cresci em meio a uma cultura ocidental sem qualquer idéia a respeito de meditação. Então, eu não tinha nenhum referencial em minha primeira experiência interior junto a Osho. Mas um mestre é um espelho para o seu mundo interior. Agora eu vejo que isso era alguma coisa que estava dentro de mim por todo o tempo, mas primeiro eu tive que desenvolver uma sensibilidade para isso, uma consciência disso. Estando perdido longe disso, de sua natureza verdadeira, você está sujeito a sofrer na vida e perder muitas bênçãos. Se eu vir o meu ser interior como um instrumento, a meditação ajuda a manter as cordas afinadas.

Se eu aprendi algo em todos os anos em que toquei música na presença do Osho, esse algo foi: como desaparecer enquanto eu toco. A música simplesmente me propicia uma desculpa para desaparecer. Não existe nenhum êxtase maior que eu saiba. Eu penso que muitas pessoas se elevam enquanto eu toco, não por causa das palavras que eu canto nem pela minha habilidade musical, mas por causa do que está acontecendo dentro de mim enquanto eu estou tocando, o espaço em que eu entro quando estou cantando, o êxtase que eu experiencio quando fecho os meus olhos em meditação e canto a partir do meu centro. A vibração da meditação é altamente contagiosa.

Atualmente eu raramente dou concertos. O que eu mais gosto são os meus eventos de final de semana. Eu viajo com uma banda, um grupo de músicos que conhecem a linguagem da música e do silêncio. Nós criamos música que dão suporte à meditação e às pessoas que estão meditando. A música mantém as coisas alegres e não sérias, e isso ajuda as pessoas a mergulharem dentro delas mesmas. Isso dá a elas coragem para explorarem e serem nutrida pela dimensão espiritual de seus seres. Nesse sentido, a música se torna um trampolim para alguma coisa maior e muito misteriosa, alguma coisa que acontece nas pessoas quando elas começam a meditar e olhar para dentro. Se você me perguntar, eu direi que a música no contexto da meditação é o verdadeiro 'alimento da alma'.

Algumas pessoas me perguntaram se eu vejo a mim mesmo como sendo um missionário ou um veículo. Eu simplesmente rio. Eu não tenho qualquer interesse em mudar as pessoas ou converter quem quer que seja à minha maneira de ver as coisas, nem estou interessado em difundir qualquer orientação política ou espiritual. Eu não sou um missionário. Eu simplesmente toco música e medito porque amo fazer isso. Eu amo cantar e amo dançar. Eu amo estar cercado por pessoas alegres que conhecem o valor da meditação em suas vidas. E eu descobri uma verdade simples: quanto mais eu compartilho minhas canções, minha música e a mim mesmo com os outros, mais eu obtenho. Essa é a economia do mundo interior, quanto mais você dá, seja o amor ou o que você tiver para compartilhar, mais riquezas você terá dentro de si mesmo. Quanto a isso, minha vida está abundante, cheia de amor e com tantas bênçãos que eu nem posso contar. A existência derramou sobre mim o seu maior presente: uma consciência de mim mesmo. Isso é algo valioso para se cantar. 

                                     Por Milarepa
                                     Traduzido por Sw.Bodhi Champak. Publicação autorizada.

Originalmente escrito para o Viha Connection -   www.oshoviha.org - setembro/outubro - 2001.
Para mais informações sobre Milarepa e seu trabalho, acesse o site www.oneskymusic.com

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